quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Mais ou menos


Daí eu cruzo com o amigo na rua e pergunto:
- Tudo bem?
E ele:
- Mais ou menos... Acabei de ser demitido!
E quando eu já ia demonstrar o pesar adequado, ele atacou outra vez:
- E isso nem é o pior: Minha mulher tá grávida, e por causa disso, minha sogra tá vindo passar um tempo com a gente. A mulher é tão megera que meu filho mais velho ainda tem pesadelos com ela. E olha que ele já tem 25 anos!Pelo menos agora vem uma menina aí, e talvez a velha volte a operar no modo "mãe" e desligue o modo "naja"... Mas fora isso, tudo bem! Por falar nisso, preciso ir que já estou quase atrasado pra voltar pro trabalho e aquele chefe é o diabo! Vive gritando com as pessoas por causa de atrasos, mas não percebe que se o cara não está trabalhando, não está ganhando, já que a produção influencia no bolso no final do mês, logo quem atrasa está perdendo seu próprio dinheiro! Ele não tem nada que ficar igual a um lunático falando, falando... Bom, deixa eu ir. Abraço!
Eu havia ficado tão absorto imaginado tanta confusão, que só quando ele já estava indo que eu percebi e gritei:
- Mas não tinhas perdido o emprego??
- Eu tinha dois! - respondeu sem parar de andar, e se foi agitado.
Sentei num banco da praça e fiquei apreciando meu cigarro sabor divagação:
Ele é um amigo antigo, por isso responder com tantos detalhes à uma pergunta tão corriqueira como "tudo bem?". Mas fiquei curioso com a primeira resposta, o resumo da ideia, a impressão que ele fez de seu próprio momento na vida: Mais ou menos. E em seguida uma série de aparentes desgraças, o que justificaria o "menos" da resposta, mas, e o "mais"?, fiquei pensando. Supus que ele se referisse ao fato de estar vivo, apesar disso tudo que lhe aconteceu. 
Mas pensando com mais calma sobre o que ele disse, percebi que havia, no sub-texto, muitas informações ignoradas por ele. Boas informações. 
A esposa está grávida, o que significa que além de os dois serem férteis, a família dele está crescendo, e ele terá em breve uma pessoinha a mais pra chamá-lo de "papai".
A sogra parece ser uma mulher forte, ainda que austera, o que talvez não indique maldade, mas caráter e moral rígidos e elevados, o que pode ser bom, em dias de liberalidade excessiva.
Ele tem um filho adulto, que ainda lembra das lições da avó, mesmo que não entenda ou perceba que as memórias precisavam ser fortes, para que ele se lembrasse até hoje. 
Tem um emprego ainda, quando tanta gente está por aí desempregada, sem ter como pagas as contas, ou alimentar a família. E o emprego nem é dos piores, já que ganha até produtividade! E o chefe imediato dele, é quem responde por essa produtividade ao setor de planejamento da empresa, já que como empregado, também segue ordens. Ele está fazendo que é pago para fazer, que é fazer com que os outros façam o que devem fazer, o máximo possível!
Olhei para o cigarro e percebi que estava na metade do segundo que acendi sem nem perceber. Levantei e comecei a andar.
Metade - pensei - Nem tudo, nem nada. Nem o começo, nem o fim. Se fosse um plano cartesiano não seria seria nem o "mais", nem o "menos", seria o ponto zero, a intersecção, o ponto perfeito. Se metade pode ser sinônimo de "mais ou menos", a resposta do meu amigo poderia ter considerado apenas o lado bom de tudo o que me disse, mas consciente ou inconscientemente, escolheu ressaltar a metade ruim das coisas. É uma forma de ver a vida. E ele não está sozinho, infelizmente. Muitas pessoas parecem só conseguir ver o lado ruim da vida, e isso é tão triste. É triste porque se sabemos que há um lado bom em tudo, saber que essas pessoas vão atravessar a vida só vendo o lado ruim, faz parecer suas vidas tão incrivelmente tenebrosas e desesperadoras! Como podem aguentar? Aguentam porque não é verdade, é apenas a sua visão distorcida e negativa do mundo. Mas as coisas boas estão lá, mesmo que não percebam ou valorizem. "Mais ou menos", poderia portanto, ser uma resposta positiva. Algo como "estou no ponto certo", ou até "mais ou menos" significando que poderia ser muito pior, logo, está tudo ótimo!
"Ponto de vista", arrematei mentalmente ao chegar à padaria. Vi uma senhora saindo com uma grande sacola com os últimos pães que estavam na vitrine e lamentei para a moça do balcão: 
- Ahhhh, acabaram os pães?
Ao que ela me respondeu:
- Ainda tem mais uma fornada pra sair, senhor. Se o senhor quiser esperar, ao menos leva o pão quentinho pra casa!
- E quanto tempo preciso esperar?
- Uns dez minutos, mais ou menos.
Não consegui conter o sorriso...

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