segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Brasil de olhos vendados

            
            Escravidão no Brasil. Fui atropelado outro dia por este assunto. Havia ocorrido uma discussão crítica na sala de aula de faculdade da minha mãe e ela queria saber a minha opinião. Pensei um pouco. Minha mente percorreu centenas, milhares de reportagens  a que já assisti, histórias que ouvi e pessoas que conheço. Minha opinião? É mais ou menos assim:

            Há inúmeras formas de escravidão. Desde que o mundo é mundo, os mais fortes subjugam os mais fracos. Em toda a história da humanidade encontram-se casos de dominância. O Egito antigo foi todo erguido pelo trabalho escravo. Mas, e nos dias de hoje? Seria de se esperar que com a maior intelectualização do ser humano, idéias como essas fossem extintas. Mas não foi o que houve. A escravidão apenas mudou de cara. Legalizou-se. Escondeu-se atrás de leis e recursos legais. Se não, vejamos: Tomemos a cachaça, por exemplo (sem trocadilho). Muita gente adora uma caipirinha,certo? Mas quantos param para pensar no caminho que ela percorreu até chegar à sua mesa. Produzida, envasada, transportada. Mas sabe qual o momento principal para o sucesso do seu drink? A colheita. É, porque sem cana, sem caipirinha. Acontece que essa cana é colhida (na maioria absoluta dos casos), por bóias-frias, que se sacrificam em uma jornada de oito à doze horas, cobertos por um monte de roupas velhas para se proteger do sol forte, com as mãos esfoladas pelo cabo do facão. Sabe quanto eles ganham por isso? Algo em torno de cinco reais por tonelada. É, tonelada! Será que alguém sabe quanta vara de cana é preciso para fazer uma tonelada?

            Aí alguém pode dizer: “Mas isso é um caso isolado!” Então tá. Brasileiro adora churrasco, certo? Será que todos sabem (e se sabem, será que se importam?) como é produzido o carvão que muitos usam? Já ouviram falar no drama dos carvoeiros no sul do Pará, por exemplo? Pessoas trazidas de outros lugares, com a promessa de um trabalho digno e que são obrigados a morar em acampamentos, sem direito à nada, trabalhando o dia todo nos fornos? Será que entre uma mordida e outra da sua suculenta picanha alguém divaga (entre outras coisas), sobre os efeitos do monóxido e dióxido de carbono nos pulmões desses carvoeiros?

            Poderíamos discorrer sobre dezenas de aspectos do problema, mas, no final, seríamos forçados a reconhecer que onde há injustiça, há um terreno fértil para a escravidão. Garotas trazidas dos interiores para as capitais para trabalhar como domésticas, muitas vezes são escravizadas. Não podem sair, falar com ninguém, tomam conta da casa toda (limpam a casa, lavam a louça, as roupas…) e da família, sem receber nada por isso. A desculpa usada sempre é a de dar uma oportunidade para a menina. Oportunidade de que? De se tornar uma escrava? E há ainda os casos em que ocorrem abusos sexuais, torturas físicas e morais, privações…

            Há a escravidão do trabalhador, por esse salário de fome; professores, médicos, policiais, todos escravos de um sistema injusto, mal-remunerados e trabalhando, por vezes, em condições precárias e insalubres. Se pensarmos um pouco, todos nós brasileiros, somos um pouco escravos, na medida em que somos obrigados a nos alistar e votar. É quase como ser obrigado a ir às urnas decidir sobre quem queremos que roube o suado dinheiro de nossos impostos, que como sabemos, não são poucos.

            Não tenho certeza se respondi com todas essas palavras, mas pensando bem, talvez haja outras, muitas outras formas de escravidão particulares, privadas, das quais não teremos conhcimento até que apareçam no jornal das oito. Persiste, entretanto, o fato: E sobre essas que já conhecemos? O que faremos a respeito?


sábado, 4 de setembro de 2010

Incômodo Silencioso


     Sabe o que mais odeio na vida?
    Odeio essa sensação,
    Latejando no peito,
    Impregnando o coração.
    Dá vontade de falar, gritar...
    Alguém ouviria? Responderia?
    O meu vizinho, talvez, com um palavrão.

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                         Original: Guilherme Castelo

Coletivamente privado (ou A garota das Trevas)


        Entrou no coletivo já com o aparelho na mão, ou melhor, no ouvido. Vinha falando alto, nem aí pro mundo. Com seu corpo ligeiramente avantajado saiu empurrando as pessoas no caminho. Sabe-se lá como conseguiu tirar as moedas do bolso de trás da medonha e apertada calça branca e entregar para o cobrador. Falava alto, mas absorto que eu estava, não havia ainda atentado ao sentido do que dizia. Como que para me dar uma chance de saber, o destino a fez parar ao lado do assento bem à minha frente. Já falei que ela falava alto? Enfim, se para sua suposta interlocutora, se para o ônibus todo, o fato é que ela discorreu sobre os mais diversos temas: A viagem à Paramaribo; O namorado, modelo de perfeição, porém casado; A briga que ele teria tido com a esposa, supostamente, por causa dela; Os dólares que ela dizia precisar trocar e os aparelhos que o pai lhe daria, o celular que ela estava querendo e um aparelho dentário, que dizia precisar. Contou toda a sua vida e estava começando a contar sobre uma amiga sua que estava tendo um caso quando sua parada chegou e ela desceu. Nunca fiquei sabendo se o marido corno descobriu...
    A moça do assento da frente começou a sorrir da situação. Todos os passageiros que estavam próximos comentaram. O absurdo da situação nos aproximou a todos de um modo que só algo assim é capaz. De repente todo mundo estava conversando, comentando, e nesse clima amistoso acabei ficando amigo da garota do assento da frente. Teoria do "Kaos".
     Moral da história: Há malas que vem para o bem!

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